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A Comunidade - Bacia de Campos

by Carlos Guedes | 16:35 in |

A Comunidade

Rapadura, chimarrão, rede e peixada, o Brasil de norte a sul se reúne nas plataformas
"Um baiano já me ajudou a curar uma gripe com uma garrafada de alho, mel e limão", conta o gaúcho Clairton Dias Lara, de 34 anos, técnico de manutenção de Enchova, aprovado no último concurso. "Brincando, no Sul, dizemos que resolvemos nossas desavenças na adaga. No Nordeste o duelo é de peixeira". Mas Clairton ainda não conseguiu convencer ninguém a provar o chimarrão, que toma todos os dias. Já Almir Dantas de Souza, de 45 anos, teve mais sorte ou azar, depende do ponto de vista. A rapadura batida que traz do Rio Grande do Norte faz um sucesso danado. " É bom ajudar os amigos, trazer um doce para eles, mas a rapadura está acabando cada vez mais rápido", conta o operador de poços da P-32.

Nascido na Paraíba, criado no Rio Grande do Norte e com lar montado no Espírito Santo, Francisco Erisberto de Gabriel Ferreira diz que é um "potixaba ", mistura de potiguar com capixaba. Sempre que deixa Vila Velha para seu turno de 14 dias como técnico de manutenção na plataforma central de Enchova, Erisberto leva uma rede debaixo do braço. A rede é usada para tirar uma soneca, nas cercanias do aeroporto, enquanto espera o momento de embarcar e também na própria plataforma. "Normalmente, penduro a rede na parte externa da plataforma, para pegar um ventinho. Mas às vezes fico com saudade de casa e a penduro no quarto também", conta o "potixaba".

Erisberto explica que as redes perderam um pouco da utilidade depois que ele começou a trabalhar em Enchova, uma plataforma fixa, com suas colunas apoiadas a 124 metros. Tanto que já deu duas a amigos, um carioca e um gaúcho, que trabalham em plataformas semi-submersíveis, que balançam ao sabor das ondas. "As vezes, para quem enjoa, a rede é melhor que a cama fixa. É como se a rede e você ficassem parados, enquanto a plataforma balança".

A vida em alto mar não é fácil. Os poços - e consequentemente toda a plataforma ao redor deles - funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. Na primeira semana embarcada, a equipe trabalha das 7h às 19h. Na segunda, de 19h às 7h. Toda semana, uma equipe nova chega para trabalhar de manhã, enquanto a que trabalhava à noite volta para casa. E assim, sucessivamente....

Nas noites da P-32, o buraco é um dos preferidos dos frequentadores da sala de jogos. A manutenção dos elevados índices de segurança exige atenção contínua e o alarme toca pelo menos a cada 15 dias, em exercícios de simulação de incêndio.

A função do gaúcho Paulo Roberto Sprenger, de 47 anos, é das mais estressantes, apesar de não ser necessariamente uma atividade de alto risco. Químico da P-32, ele passa os dias sozinho num pequeno laboratório. No seu turno de 12 horas, faz um total de 30 análises quími- cas -cinco amostras de seis óleos, cada um oriundo de uma plataforma distinta.
O seu trabalho é a última etapa de tratamento do óleo que será exportado diretamente, sem passar por terra. "Tem dias que não tenho contato físico com ninguém. Pelo telefone, rádio ou computador, fico em contato direto com a terra e o comando da plataforma, mas muitas vezes não entra ninguém aqui", conta Sprenger, que já foi estagiário do Instituto Médico Legal de Porto Alegre. Para relaxar, Sprenger sempre caminha ao menos 20 minutos, em volta do heliponto, assim que termina seu turno.

"Numa plataforma, o petroleiro não se permite errar, ele sabe que todo erro tem uma consequência negativa. Por isso, toda atenção é pouca", explica Ricardo Oliveira, gerente da P-32, plataforma que, em julho (2002), estava há mais de 1.200 dias sem acidentes, um recorde. " Mas, quando acaba o turno, tentamos dar todo o conforto a eles. " Toda plataforma tem salão de jogos, sala de musculação e uma quadra de futebol. Na maioria, já foram instalados computadores com acesso à internet, onde os funcionários se revezam, em perío- dos de meia hora. Na P-32, os quatro micros ficam na enfermaria. "Para a maioria dos funcionários, esses quatro computadores foram o primeiro contato com a informática " , diz Renato José dos Santos, ex-sargento da Polícia Militar carioca, enfermeiro do FPSO. "Quanto mais atividades, melhor. Na plataforma, diante do horizonte sem fim, o ócio no momento de folga é pai de todos os distúrbios emocionais. "

Gerente das plataformas Carapeba 1 e 2, Kleber Albernaz, de 44 anos, atravessa os dias de confinamento sem problemas. Quem sofre um pouco é seu filho pequeno. " Ele estava tendo febres de cunho psicológico, enquanto eu estava .longe. Acordava no meio da noite repetindo papai, papai", conta Kleber, emocionado. O problema foi resolvido com visitas a um psicólogo que aconselhou Kleber a sempre se despedir do garoto antes de embarcar. "Mesmo às 3h da manhã, o acordo, o abraço e ele me leva até a porta, com a certeza de que vou voltar daqui a 14 dias. Ele e minha mulher confiam em mim. Sabem que só tenho duas paixões: a família e o petróleo".

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